quarta-feira, agosto 19, 2015

Testamento para o dia claro

"Quando do fundo da noite vier o eco da última palavra submissa
E a patina do tempo cobrir a moldura do herói derradeiro,
Quando o fumo do último ovo de cianeto
Se dissipar na atmosfera de gases rarefeitos
E a chama da vela da esperança
Se acender em sol na madrugada do novo dia
Quando só restar na franja da memória
Lapidada pelo buril dos tempos ácidos
A estria da amargura inconseqüente
E a palavra da boca dos profetas
Não ricochetear no muro do concreto
Da negrura sem fundo de um poço submerso
Sejais vós ao menos infância renovada da minha vida
A colher uma a uma as pétalas dispersas
Da grinalda dos sonhos interditos."

Arnaldo França

"No adultério, há pelo menos três pessoas que se enganam." (Drummond)

Partindo de um artigo vindo dum local que serve de ponto de partida para vários pensamentos, pela variedade da escrita o que, naturalmente, reflecte uma variedade de ideias, dei de caras com esta frase do saudoso Drummond de Andrade que toca num assunto que sempre foi assunto. A traição.

No texto podemos ler uma alusão ao facto de até a Gisele Bundchen ter sido traída e que isso serviria, segundo o autor, para rebater aqueles que afirmam que em vários casos os traídos também têm culpa.
Ainda segundo ele, quem poderia acusar a Gisele de merecer a traição? Uma das mulheres mais lindas e desejadas do planeta? Parece-me óbvio que o autor esqueceu ou ignorou tudo o resto. Não é só a beleza que nos torna especiais.

Sobre este assunto posso opinar pela experiência própria de quem se encontra numa relação e que, embora nunca tenha traído - pelo menos físicamente -, já esteve perante a tentação de fazê-lo algumas vezes. Felizmente sempre consegui colocar-me virtualmente no lugar da minha companheira e chegar à conclusão de que não existe justiça nenhuma na mentira. A dignidade não tem preço.

Um caso destes encerra sempre duas histórias dentro da mesma. A primeira, a história de quem é traído e imaginar uma situação dessas é das coisas mais dolorosas que pode assombrar a nossa mente.

Depois, a história de quem trai. Uma relação encerra uma dinâmica muito própria. É preciso uma adaptação à outra pessoa, às limitações que surgem naturalmente, ao compromisso que não é só afectivo e à própria ideia de que se assumiu algo que é para o resto da vida. Deixa marcas e ninguém passa por isso com indiferença. Quando se percorre esse caminho, aparecem cenários que nos fazem acreditar que aquela barreira é intransponível ou que, afinal, a pessoa certa não existe e se existe, não está connosco. Esse sentimento pode durar horas ou dias. Em casos extremos, dura para sempre. É aí que surge o cheiro de um amor antigo, a visita de uma prima mais próxima ou até a chinesa nova lá no bairro que é diferente de todas as outras. Tudo parece justificar o desejo porque acreditamos que temos direito à vida sem limitações. E no fundo temos. Desde que sejamos honestos e não criemos essa mesma limitação ao assumir um compromisso com alguém.

É onde se fala finalmente de amor. Diz-se que um compromisso com amor liberta. Eu diria que um amor sem compromisso é que liberta. Tudo o resto ou é natural ou, não sendo, deve ser motivo de preocupação.

quinta-feira, agosto 13, 2015

"Um homem pode ser ele mesmo apenas se está sozinho; e se ele não ama a solidão, ele não ama a liberdade; pois é apenas quando ele está sozinho que pode ser verdadeiramente livre." (Schopenhauer)

Amália Hoje - "Foi Deus"

A conchinha

Lembro-me de ouvir o meu Pai falar sobre uma cena cinematográfica de origem indiana - de onde ele também é - da década de 60 em que uma mulher, subia ao alto de uma montanha e no auge do seu desejo carnal levantava o seu vestido de forma a mostrar o seu joelho completamente nú. Originalmente, vinha vestida dos pés à cabeça, literalmente, coberta até por um véu. Era a cena com maior impacto sexual na época e, apesar de ser naquela sociedade muito específica, demonstra claramente a mentalidade conservadora que inundava a mente das pessoas, principalmente se for feita uma analogia com as pessoas do mesmo extracto social actualmente.

Vivemos hoje numa época diferente e nem podia ser de outra forma, passado que está mais de meio século. A intimidade é algo que existe de forma muito intermitente e logo, nada consistente. Refugiamo-nos numa vida em que a dependência por pessoas é cada vez menor o que, naturalmente, é substituído pela dependência em objectos e aplicações. Hoje é mais fácil conseguir ter sexo do que conseguir conversar com a pessoa com quem tivemos sexo. Homens e mulheres cada vez mais preocupados em atingir objectivos e em parecer perfeitos, saindo-se sempre melhor do que somos realmente, vivendo numa cápsula de mentira. Por isso, a intimidade da conchinha em que, adormecendo, vamos dizendo tudo de uma forma embevecida e honesta, encerra um orgasmo por vezes maior que o do próprio sexo.

quarta-feira, agosto 12, 2015

Selfie Destruction

Mortas estão as minhas ideias por pensar em demasia. Como consequência, tenho vários passados e apenas um futuro. Uma breve justificação para a ausência completa de escrita.

O título é uma alusão - sem conclusão definitiva sobre a destruição - àquilo que assisti, agora com mais atenção no passado fim de semana.
Fui convidado, com muita honra, para um casamento e tive finalmente a oportunidade de constatar este fenómeno (i)mediático das 'selfies' e dos 'flashes'. Nunca me apercebi de forma tão clara da quantidade industrial de fotos que os mais jovens tiram hoje em dia, sempre com um sorriso "pepsodentico" e bastante gritaria à mistura. Não sei se é a época dos corações vazios, mas sei que o excesso de umas coisas, normalmente serve para compensar a falta de outras. De qualquer das formas, esta é sem dúvida a época mais documentada de sempre.