Partindo de um artigo vindo dum local que serve de ponto de partida para vários pensamentos, pela variedade da escrita o que, naturalmente, reflecte uma variedade de ideias, dei de caras com esta frase do saudoso Drummond de Andrade que toca num assunto que sempre foi assunto. A traição.
No texto podemos ler uma alusão ao facto de até a Gisele Bundchen ter sido traída e que isso serviria, segundo o autor, para rebater aqueles que afirmam que em vários casos os traídos também têm culpa.
Ainda segundo ele, quem poderia acusar a Gisele de merecer a traição? Uma das mulheres mais lindas e desejadas do planeta? Parece-me óbvio que o autor esqueceu ou ignorou tudo o resto. Não é só a beleza que nos torna especiais.
Sobre este assunto posso opinar pela experiência própria de quem se encontra numa relação e que, embora nunca tenha traído - pelo menos físicamente -, já esteve perante a tentação de fazê-lo algumas vezes. Felizmente sempre consegui colocar-me virtualmente no lugar da minha companheira e chegar à conclusão de que não existe justiça nenhuma na mentira. A dignidade não tem preço.
Um caso destes encerra sempre duas histórias dentro da mesma. A primeira, a história de quem é traído e imaginar uma situação dessas é das coisas mais dolorosas que pode assombrar a nossa mente.
Depois, a história de quem trai. Uma relação encerra uma dinâmica muito própria. É preciso uma adaptação à outra pessoa, às limitações que surgem naturalmente, ao compromisso que não é só afectivo e à própria ideia de que se assumiu algo que é para o resto da vida. Deixa marcas e ninguém passa por isso com indiferença. Quando se percorre esse caminho, aparecem cenários que nos fazem acreditar que aquela barreira é intransponível ou que, afinal, a pessoa certa não existe e se existe, não está connosco. Esse sentimento pode durar horas ou dias. Em casos extremos, dura para sempre. É aí que surge o cheiro de um amor antigo, a visita de uma prima mais próxima ou até a chinesa nova lá no bairro que é diferente de todas as outras. Tudo parece justificar o desejo porque acreditamos que temos direito à vida sem limitações. E no fundo temos. Desde que sejamos honestos e não criemos essa mesma limitação ao assumir um compromisso com alguém.
É onde se fala finalmente de amor. Diz-se que um compromisso com amor liberta. Eu diria que um amor sem compromisso é que liberta. Tudo o resto ou é natural ou, não sendo, deve ser motivo de preocupação.