sábado, abril 24, 2010

ALDO NAOURI - A INTELIGÊNCIA EM FORMA DE PEDIATRA

Um artigo para todos os pais e educadores (os que já são e os que vão ser). Para ler e ponderar.
Todos temos consciência de que hoje em dia se caiu no exagero.
É preciso voltar a encontrar o equilíbrio, como se costuma dizer em português corrente: “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.”

Os pais têm de recuperar a autoridade perdida e deixarem de querer agradar aos filhos, ou o mundo estará perdido, afirma um dos mais famosos pediatras do mundo. Fomos saber porquê.

Catarina Fonseca/ACTIVA
10 Fev. 2010

Confesso que ia um bocado amedrontada. Afinal, ia entrevistar um dos homens responsáveis por um dos maiores escândalos educativos das últimas décadas, o homem que defendera a urgência do regresso ao poder dos pais contra os todo-poderosos filhos

Acusado de tudo, de fascista para baixo, o pediatra líbio-francês Aldo Naouri diz que os pais se demitiram do seu papel de educadores e em vez disso se dedicam a satisfazer a criança, com o único desejo de se fazerem amar. Diz que confundimos frustração com privação. Diz que transmitimos à criança que não só pode ter tudo como tem direito a tudo, içando-a ao topo do edifício familiar, onde ela nunca esteve e onde nunca deveria estar. Diz que um filho hoje não é criado para se tornar ele próprio, mas para gratificar e servir o narcisismo dos pais. Diz que estamos perante uma epidemia que encoraja os pais a seduzirem as crianças, tornando-as assim em seres obsessivos, inseguros, amorfos e emocionalmente ineptos, que não sabem gerir as suas pulsões e são incapazes de encontrar o seu lugar no mundo.

Em resumo, esperava alguém mais parecido com o Deus do Velho Testamento, que me recebesse com raios e coriscos, ou pelo menos uma praga de gafanhotos. Em vez disso, recebeu-me com um sorriso so equivalente ao sol de Lisboa, agarrou-me na mao, perguntou-me por que é que nao tinha filhos e assegurou-me que os homens sao todos uns egoistas. "Portanto, madame, é so escolher um! Sao todos iguais!"

Por entre gargalhadas, falou-se de coisas muito sérias, como aquilo que andamos a fazer às crianças. Ora leiam.

- Entao, nada de democracia para as crianças?
- Nao. E fundamental que estejam numa relaçao vertical: os pais em cima, as crianças em baixo. Porque ha uma diferença entre educar e criar. Criar é dar-lhe os cuidados basicos, dar-lhe banho, alimenta-lo, etc. E como criar galinhas. Educar é haver qualquer coisa que nao existe e que é preciso formar. Por isso a criança nao esta nunca ao mesmo nivel dos pais, nao pode haver uma relaçao horizontal. Se quiser compreender o que se passa na cabeça de uma criança numa relaçao horizontal, imagine o seguinte: você esta num aviao, e o comandante vem sentar-se ao seu lado. Você pergunta, Mas quem é que esta a guiar o aviao? E ele diz, 'Ah, é um passageiro da primeira fila que eu pus no meu lugar. ‘ A criança tem necessidade de alguém acima dela.

- As maes nao se escandalizam com a mudança de habitos que lhes aconselha?
- Nada disso. As maes estao petrificadas na sua angustia e precisam de se libertar. Eu digo, 'mas nao vale a pena angustiarem-se dessa maneira, ser mae é muito mais simples do que vocês pensam'. Digo-lhes que nao vale a pena viverem preocupadas porque a criança nao come, nao dorme, ou vai ter ciumes do irmao. Dou-lhes conselhos basicos e faceis de seguir e tento fazer com que simplifiquem a maximo as suas vidas. O que eu quero é que a criança seja para os pais uma fonte de prazer e felicidade, e nao um foco de sofrimento e angustia, e para que isso aconteça, os pais têm de estar descontraidos.

- As nossas avos nao viviam nessa angústia...
- Pois nao. Mas viviam num mundo em que havia três tipos de ordem: Deus, Rei e pai. Esse tipo de ordem fazia com que existisse qualquer coisa que as transcendia. Hoje todo o tipo de transcendência desapareceu, e quem ficou no lugar de Deus? A criança. As maes que poem o filho nesse altar, eu simplifico a tarefa: digo - Nao se cansem dessa maneira. Nao se preocupem assim. Ponham-se a vocês proprias em primeiro lugar. Claro que nao é uma coisa que elas estejam habituadas a fazer, ou sequer a ouvir, mas nao é por isso que nao podemos dizer-lhes, e nao é por isso que elas vao deixar de ser capazes de o fazer. Acredito que vao ser capazes, porque é urgente: a bem das crianças, e a bem delas proprias. E preciso fazer as coisas de maneira tranquila, porque a mae perfeita nao existe, o pai perfeito nao existe, a criança perfeita nao existe.

- Mas as maes hoje têm uma vida tao dificil, é normal que se culpabilizem...
- Não é por trabalharem fora de casa que têm de se sentir culpadas. Peço às maes: lembrem-se do vosso primeiro amor. Quando nao o viam durante três dias, morriam de saudades. Mas quando o voltavam a ver, assim que batiam os olhos nele era como s nunca se tivessem separado. Com as crianças, é exactamente igual. Quando tornam a encontrar a mae, é como se ela nunca tivesse partido.

- Diz que os pais esqueceram o seu papel de educadores porque querem ser amados pelas crianças. Por que é que isto acontece?
- Como todas as crianças, tiveram conflitos com os pais. E como todas as crianças, amam-nos mas guardaram muitos ressentimentos. E nao querem que os seus filhos tenham esse tipo de ressentimento em relaçao a eles. E pensam que a melhor maneira de o fazer é seduzir a criança para que ela o ame. O que é um enorme erro. Porque nesse momento, a relaçao vertical inverte-se. A hierarquia fica de pernas para o ar, e quando isso acontece, destruimos a crianças.

- O problema é que as pessoas confundem autoridade com violência. Autoridade é fazer-se obedecer, nao é dar uma palmada, que o senhor alias desaprova.
- Completamente! Nao aprovo palmadas de que género for, nem na mao nem no rabo. Ter autoridade nao é agredir a criança. Ter autoridade é dizer: 'Quero isto', e esperar ser obedecido. Quero que faças isto porque eu disse, e pronto. Autoridade é so isto, é assumir o seu dever. Nao vale a pena ser violento, alias porque a criança sente a autoridade. E quando o pai ou a mae nao esta seguro do seu poder que a criança tenta ir mais longe. Quando ha uma decisao que é assumida pelos pais, ela cumpre-a.

- Uma terapeuta de casal dizia que as pessoas hoje nao têm falta de erotismo, dirigem-no é todo para as crianças...
- Sem duvida. E é isso que é urgente mudar. O slogan 'a criança acima de tudo' deve ser substituido por 'o casal acima de tudo'. A saude fisica e psiquica das crianças fabrica-se na cama dos pais. Por que isso nao acontece é que ha tantos divorcios, e depois a vida torna-se muito mais complicada para a mae, o pai e a criança. Se elas decidem privilegiar a relaçao de casal, estao a proteger a criança.

- Educou os seus filhos da forma que defende?
- Sim sim, eu eduquei os meus três filhos tranquilamente. A autoridade significa serenidade, nao violência. Ainda hoje, que eles ja sao mais do que adultos, nos reunimos às vezes para jantar. E no outro dia, falamos sobre as viagens de carro que costumavamos fazer - sempre viajei muito com eles. Quando se portavam mal, eu virava-me para tras e dizia: - Olhem que eu paro o carro e deixo-vos a todos aqui na auto-estrada! - So ha pouco tempo é que percebi que eles achavam que eu estava a falar a sério e que seria capaz de os abandonar na estrada! (ri). Tal é a força da autoridade. Mas isso nao tem importância, o importante é que funcionava! (ri)

- Diz que o pai tem de ser egoista mas também diz que uma das tragédias do mundo moderno é a ausência do pai... Qual é entao o papel do pai, para la de ser egoista?
- Tem duas funçoes: a primeira é a de possibilitar à mae o exercicio da sua feminilidade. A segunda é a de se oferecer ao filho ou filha como um escudo contra a invasao da mae. Porque de outra maneira, a mae vai tecer à volta do seu filho um utero virtual, extensivel até ao infinito. O pai nao esta presente como a mae, mas é preciso que esteja presente.

- Mas hoje exige-se aos pais que façam uma data de coisas, que mudem fraldas, que ponham a arrotar, que ensinem karaté...
- Não é preciso. Porque na cabeça das crianças tudo esta muito claro: aquela que o filho ama acima de tudo é a mae, que sempre respondeu às suas necessidades desde que estava na sua barriga. Se alguém lhe diz 'nao', mesmo que seja a mae, para ele a culpa é do pai. Ou quando muito, da nao-mae. No inconsciente de uma criança, o pai nao existe. So ha a mae. O pai tem de se construir, a bem das crianças e a bem da mae delas.

- Antes de ler este livro nao tinha consciência de que as crianças estavam tao perturbadas.
- Li um artigo recentemente do director do centro médico-pedagogico de Paris, que afirmava que em 2008 tinha recebido 394 novas familias, e que a maior parte tinham problemas psicologicos. No fim da primária, 40% dos alunos ainda nao dominam a lingua, e isto é grave. E nao porque tenham problemas fisicos ou sejam burros: é porque nao os sabemos educar. Mas é uma tarefa dificil, porque mesmo as instâncias governativas vao no sentido de seduzir a criança. Porque as crianças vendem, sao um produto que se compra e se compara. Todo o mundo vai no sentido de deixar a criança fazer o que quer, porque é mais facil que ela nao cresça. Mas o que vai acontecer é que essas crianças, se nao travadas, vao crescer e fabricar sociedades absolutamente abominaveis, onde sera cada um por si, onde nao havera solidariedade.

- Nem cientistas... E o senhor quem o diz...
- (ri). Apesar de tudo, estou optimista. As pessoas querem saber como podem mudar. Nao sou o unico a dizer estas coisas, mas digo-as de forma bruta. Tenho 40 anos de experiência com pais e crianças. E é muito facil mudar, quando começamos a ver a logica das coisas. Além disso, o que eu pretendo é simplificar a vida das pessoas. Nao quero voltar àquilo que se fazia ha um século. Nao quero pais castradores.

- O que é um pai castrador?
- Não é um pai autoritario, é um pai fraco, intranquilo, desconfortavel na sua pele e na sua posiçao. O que eu digo é, a sua posiçao como pai ou mae esta assegurada à partida. So tem de exercê-la. Uma vez, apareceu-me uma mae muito alarmada porque a filha nao dormia. Aconselhei-a a dizer à criança, antes de dormir: 'Podes dormir tranquila. Nao preciso mais de ti hoje.' E a criança dormiu a noite toda. Por isso eu digo no fim das consultas, a todas as crianças, tenham elas 1, 7 ou 14 anos, 'Muito obrigado por me teres trazido os teus pais à consulta. Agora podes ficar descansado, eu ocupo-me deles.'

O QUE DEVEMOS FAZER...
Palavra de ordem: nao compliquem.
Segundo Aldo Naouri, o esterilizador de biberoes nao faz sentido, nem desinfectar o mamilo.
- Os biberoes devem lavar-se com água quente da torneira.
- As nadegas do bebé devem ser lavadas com água e sabao.
- A roupa do bebé pode ser enfiada na máquina como o resto da roupa de casa.
- Em todas as idades, devem tomar-se as refeiçoes familiares em conjunto.
- Um adolescente pode ir vestido da maneira que bem entender.
- Petiscar, no caso de um adolescente, nao é de condenar, porque precisam de imensas calorias.

E O QUE NAO DEVEMOS...
- Rituais antes de dormir, como a historia ou a cantiga, é para irem à vida. So servem para ritualizar o medo da criança. Deve-se mandar a criança para o quarto, e ai ela fara o que quiser com o seu tempo.
- Angustiar-nos com as horas de sono. E absolutamente necessario livrarmo-nos da obsessao do número de horas que eles dormem.
- Nunca, em circunstância alguma, se deve obrigar uma criança a comer.
- Biberao, chupeta e objectos de transiçao devem desaparecer antes do fim do segundo ano da criança.
- Bater nunca: nem na mao nem no rabo.
- Elogiar, so para coisas excepcionais.
- A criança nao deve escolher a sua roupa.
- Uma ordem nao tem de ser explicada, tem de ser executada. A explicaçao que é dada ao mesmo tempo que a ordem apaga a hierarquia. Se quiser explicar, so depois da ordem cumprida. A figura parental nunca, mas nunca, tem de se justificar perante o filho.

Para ler: 'Educar os Filhos', Aldo Naouri, Livros d'Hoje

2 comentários:

Rita P Faleiro disse...

Adorei esta tua transcrição da entrevista, EK. Dás-me autorização para a colocar no meu blog, por favor?

Beijinhos

Rita

Other Me disse...

Olá EK,

Passei apenas para dizer que tens um selinho à tua espera no meu blog =)

Beijinhos